terça-feira, julho 23, 2002
De uma banda que, à chegada a Portugal, tem cinco coliseus cheios para a ver, não se poderá dizer que seja normal. Que, há uns anos, essa mesma banda tenha apresentado as canções do - agora - seminal "OK Computer" no modesto Paradise Garage e, poucos anos depois, atraia milhares de fãs e deixe outros tantos sem bilhete, é, sem dúvida, um fenómeno. Mas talvez a proeza mais digna de aplaudir nos Radiohead não seja a dimensão da sua falange de fãs, nem a evolução da mesma ao longo dos anos, mas a atitude - profissional, sem vedetismos - que souberam manter e com a qual, ontem à noite, conquistaram um Coliseu dos Recreios apinhado de expectativa e emoção. Horas antes do começo do espectáculo, o mito já tinha nascido, cortesia de histórias que, nas Portas de Santo Antão, se contavam - entre amigos e estranhos, portugas na fila desde o meio-dia e estranjas compradores de um pack (pelos vistos) popular em Inglaterra: bilhete+viagem+estada. Havia também quem garantisse ter conseguido falar com a banda, sacar um autógrafo ou levantar o véu à playlist-mistério. Tudo lendas em crescimento, (também) enquanto Kieran Hebden, aka Four Tet, preenchia a primeira parte com os sons da sua caixinha de música avariada, que por vezes guarda num frigorífico (os Fridge, autores, no ano passado, do bonito "Happiness"). Sozinho com a sua maquinaria, o britânico beneficiou de um som capaz e chegou a cativar alguma atenção da hiperactiva audiência do Coliseu, especialmente receptiva à incursão de Hebden pelas acusticidades. Provavelmente, uma escolha bem mais acertada para abrir o concerto de que qualquer uma das 24 mil bandas proto-depressivas, emuladoras de Thom Yorke & companhia.
O entusiasmo vibrante que antecedeu a entrada destes em palco só pode ser comparado às batidas que, bojudas, iam sendo debitadas nas colunas da sala. As palmas, essas, roçavam o ritmo tribal, e os sorrisos não disfarçavam o nervosismo de quem aguardava este concerto há anos. Com a chegada dos cinco Radiohead ao horizonte visual do público, um mito que cai: Thom Yorke sorri. E não só o (alegadamente) carrancudo músico como os seus companheiros se mostram satisfeitos com a recepção de que gozam, arrancando para cerca de 45 minutos em que, com grande à-vontade, mostram aos acólitos as músicas que deverão constituir o seu próximo álbum. Dos nove aperitivos, destaque para "There There", a pujante abertura do concerto, adornada por bombos e uma progressão irresistível, e "A Punch at a Wedding", tão desarmante, na sua simplicidade ao piano, como o próprio título. Antes de um intervalo para repôr forças e mudar o disco, aplauda-se o próprio público, 100% respeitador de canções novas em folha, irrompendo em palmas desbragadas apenas no final de cada amostra. O riff (quase) country-pervertido de "I Might be Wrong" trouxe ao Coliseu a segunda parte do espectáculo, bem como o delírio entre aqueles que o lotavam. Outra reacção seria difícil de obter, quando a tal abertura se seguem "Morning Bell" ao piano e um "Karma Police" capaz de levar às lágrimas almas mais periclitantes. Pelo meio, Thom Yorke, em grande forma vocal, toca pandeireta e estremece, freneticamente, ao som da própria obra. Alcançando um notável equilíbrio entre o registo acústico-intimista e a modalidade electrónica dos seus últimos discos, os Radiohead atiram achas para a fogueira da devoção: "Paranoid Android" é apresentado como se nada fosse, mas significa tudo para quem a ouve, canta e, eventualmente, "mosha". A própria banda aplaude, no final, a prestação nacional, antes da electrónica transviada de "Idioteque" e do memorável "Everything in it's Right Place", com Yorke a decidir que o seu lugar é junto do público, do qual se abeira por momentos. "I'm not here/This isn't happening" é a frase da despedida, no único encore da noite - mas, quer o queiram quer não, os Radiohead deram um concerto para a história que, a bem dizer, ainda agora começou.
Cotonete.iol.pt Lia Pereira (23-07-2002)
salamandrine 13:39
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